A importância do Ministério dos Povos Indígenas por aqueles que mais necessitam da sua existência

A importância do Ministério dos Povos Indígenas por aqueles que mais necessitam da sua existência

Pela primeira vez, o Brasil terá um ministério destinado à sua população nativa. Para ser
mais do que uma promessa de campanha, o Governo Federal deve atender urgências dos
povos indígenas, e apostar na comunicação popular

A criação do Ministério dos Povos Originários, promessa de campanha do presidente Luiz
Inácio Lula da Silva (PT), é um fato marcante nos 522 anos de história do Brasil, já que, pela
primeira vez desde a chegada dos colonizadores, os indígenas vão fazer parte da composição
do governo federativo.
O ato, além de dar sinalizações para o início de uma importante reparação histórica das
opressões e apagamentos sofridos pelos povos originários, busca cumprir um importante
papel na politização das questões indígenas brasileiras, trazendo as suas demandas para o
centro das decisões do poder executivo.
Mas, para que a pasta seja importante para aqueles que mais necessitam da sua concepção, é
preciso que os povos originários estejam sempre presentes em seu corpo ministerial. Também
é necessário que as discussões sobre os direitos e necessidades da população indígena sejam
os norteadores das premissas que vão ser postuladas nos próximos quatro anos.
Por isso, entre o período em que Lula se saiu vencedor das eleições presidenciais de 2022 até
a sua posse no Planalto, os grupos e lideranças indígenas levantaram questões que devem ser
abordadas pelo novo ministério. Durante o período de transição governamental, os líderes dos
povos nativos apresentaram 11 urgências que devem ser tratadas com atenção pelos
mandatários da nação.


Indígenas apontam 11 alertas que devem ser discutidos


Segundo os documentos apresentados pelas lideranças indígenas, o primeiro alerta é sobre a
necessidade das demarcações de territórios tradicionais, enquanto a segunda trata sobre a
proteção dos povos isolados e de recente contato, que constantemente lidam com graves
ataques nas florestas.
O terceiro é a criação de programas que protejam indígenas e também os não-indígenas
aliados às questões ambientais e de direitos humanos. Vale lembrar que este tema ficou em
destaque após as execuções do jornalista Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira,
assassinados, em junho do ano passado, na Terra Indígena do Vale do Javari, no Amazonas.
Em um contexto de sucateamento da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), criada
em 2010 no segundo mandato de Lula, a saúde dos povos originários é o quarto tema que

deve ser tratado pelo novo ministério. O quinto alerta vem da segurança em relação à
exploração ilegal de recursos naturais, e o sexto aborda a proteção das regiões fronteiriças
habitadas por indígenas.
O sétimo alerta é a da preocupação que se deve ter com a educação dos indígenas, que devem
ter um olhar mais direcionado para as demandas de cada povo. O oitavo item apontado pelas
lideranças aborda a violação dos direitos humanos em impactos vindos de grandes
empreendimentos.
O nono apontamento aborda a necessidade de se melhorar as informações que são geridas
pelos censos populacionais. O décimo aponta a urgência de se combater as limitações da
atual gestão da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) que, no governo Bolsonaro,
foi duramente militarizada e desmontada, prejudicando diretamente o empreendimento de
políticas públicas destinada aos nativos.
Por último, mas não menos importante, o GT evidenciou a importância de se revogar
imediatamente as normativas e decretos publicados no último governo. Entre eles, está o
polêmico Projeto de Lei no490, também conhecido como Marco Temporal, que permitia a
inviabilização de demarcações de terras e a entrega de territórios indígenas para
empreendedores internacionais e garimpeiros.


Ministério para nativos já é realidade em outros países


Em outros países, a participação indígena nos governos executivos já é uma realidade
consolidada. Um exemplo de destaque está na Bolívia, que aliás, entre 2006 e 2019 teve
como presidente um nativo, o sindicalista ‘cocalero’ Evo Morales. Por lá, o Ministério da
Cultura, Descolonização e Despatriarcalização, tem entre as suas as propostas, a proteção e a
difusão dos valores da população originária, que atualmente possui uma grande relevância no
cotidiano político e cultural do país.
Outro país que também já possui uma pasta ministerial voltada para os seus nativos é o
Canadá, que desde 1966 centraliza as demandas para a implementação de políticas públicas
no Indigenous Relations and Northern Affairs Department ou “Departamento de Relações
Indígenas e Assuntos do Norte do Canadá”, em uma tradução livre.
Porém, mesmo com a criação da pasta ministerial, é importante frisar que o Canadá, ao longo
da sua história, implementou medidas que foram classificadas como “genocídio cultural” por
uma comissão especial do seu parlamento, que atualmente discute as marcas de extermínio do
seu passado colonizador.
Até 1996, ou seja, trinta anos após a criação do Departamento, que, aliás, sempre foi chefiado
por pessoas brancas, o país retirava crianças indígenas das suas famílias e as mandava para
regimes de internato, onde passavam fome e sofriam agressões e abusos sexuais.

As experiências estrangeiras não refletem o cenário brasileiro no terceiro mandato de Lula,
mas podem servir como exemplos do que deve ser adotado no Ministério dos Povos
Originários. É preciso que os indígenas participem ativamente da liderança da pasta e da
coordenação das políticas públicas que forem propostas.
Ninguém mais do que os nativos sabem do que eles precisam neste contexto atual de
apagamento e opressão deixado pelo Governo Bolsonaro. Deixar que não-indígenas tomem a
frente dos rumos da pasta é um perigo, e pode fazer com que o projeto de campanha se torne
uma decepcionante indiferença para os que olham uma oportunidade de dignidade e
esperança surgir após 522 anos de apagamentos.
Um bom início
A nomeação de Sônia Guajajara, influente líder indígena e deputada eleita por São Paulo,
como a primeira pessoa a assumir o cargo de ministra de uma pasta destinada aos povos
nativos, foi um ótimo início para os nativos, que agora estão na liderança de um longo
caminho de reparação histórica que o Brasil precisa empreender.
Sônia foi indicada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) em uma lista
tríplice enviada pelas lideranças nativas ao então presidente eleito. As outras duas indicações
eram de Joênia Wapichana, a primeira indígena a exercer a função de advogada e deputada
federal no Brasil, e Weibe Tapeba, ex-coordenador da Federação dos Povos e Organizações
Indígenas do Ceará (Fepoince).
Como forma de contemplar todos os que foram indicados pela lista tríplice, Joênia foi
empossada como a 41o presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI) – a
primeira indígena a assumir o cargo – enquanto Tapeba foi nomeado como dirigente da
Secretaria de Saúde Indígena (SESAI).


O ódio não calou o maracá
A posse da ministra Guajajara estava marcada para o último dia 10 de janeiro, tendo que ser
cancelada dois dias antes por conta dos atentados terroristas que, motivados pelo ódio e pelo
fascismo à brasileira, vandalizou os prédios dos Três Poderes, entre os quais o Palácio do
Planalto, onde o seu Salão Nobre iria saudar o histórico momento onde uma mulher indígena
tomaria posse para um ministério que olharia em prol das suas comunidades.
O ódio impulsionado pelo bolsonarismo não foi capaz de calar o maracá – instrumento
musical utilizado por Sônia quando assinou o termo ministerial durante a histórica posse de
Luiz Inácio Lula da Silva, no dia 1o de janeiro, e que ilustrou uma das fotografias que mais
percorreram o mundo naquela data.


Apenas 24 horas depois da data previamente marcada, a ministra Sônia estava lá novamente
com o seu maracá para o alto, vestidas com os gloriosos trajes tradicionais de seu povo. Foi uma forma sua de mostrar que o ódio, o fascismo e a opressão de uma elite majoritariamente
branca sobre os povos indígenas não teriam mais espaço a partir deste novo tempo, que nem
os mais violentos golpes são capazes de impedir que ele chegue.


A comunicação popular será uma prioridade


Para entender mais sobre a importância da criação do novo ministério para a comunicação
alternativa, popular e comunitária, a nossa equipe de reportagem conversou com Erisvan
Guajajara, coordenador da Mídia Índia, veículo formado por indígenas, de diversas
comunidades, regiões e povos que possui mais de 275 mil seguidores somados em suas
plataformas virtuais.


Erisvan está em Brasília desde antes da posse da ministra Sônia Guajajara, e ficará
permanentemente na cidade para fazer com que a Mídia Índia se torne um porta-voz dos
principais movimentos da nova pasta, levando as informações diretamente da Esplanada dos
Ministérios para os vários territórios indígenas espalhados pelo país.
O comunicador destaca a importância dos veículos comunitários e populares na repercussão
das ações do novo ministério já que, segundo ele, a elite da imprensa brasileira sempre negou
as conquistas dos indígenas. “A comunicação vai ser essencial para acompanhar essas
votações e esses mandatos. Porque somente assim a gente vai conseguir comunicar as nossas
lideranças e as nossas bases do que está acontecendo, porque a grande mídia nunca vai fazer
algo favorável aos povos indígenas”, observa.


O coordenador do Mídia Índia revela que, nos últimos dias, estão havendo reuniões entre
indígenas e outros setores do novo Governo Federal, como o Ministério das Comunicações
(MCom). As conversas são para cobrar da nova gestão uma atenção específica para a
comunicação popular nas aldeias, que são importantes para a criação de vínculos e a
repercussão de informações indispensáveis para as suas comunidades.
Graças ao trabalho dos comunicadores indígenas, os seus respectivos povos se sentem
incluídos na mídia e possuem as suas verdadeiras histórias representadas. É importante
destacar que, em um país cuja grande imprensa sempre foi liderada por uma elite branca, a
possibilidade de ter indígenas ocupando os espaços de criação de conteúdos informativos é
uma oportunidade de criar uma visibilidade que nunca chegou até as aldeias.
“Pela primeira vez, a gente mostra a nossa versão. A gente sai do personagem e viramos os
protagonistas principais. A gente fala muito sobre demarcar territórios e demarcar espaços, e
hoje nós estamos ocupando as redes e demarcando as telas. A gente traz para cá, a verdadeira
história dos povos indígenas”, destaca Guajajara.


A importância da ressignificação

O histórico ano de 2023, como pontuou Erisvan durante toda a entrevista feita com a nossa
equipe, inicia-se com mudanças que podem parecer pequenas para os não-indígenas, mas que
representam uma grande libertação das amarras do preconceito e da opressão para as
comunidades nativas.
No primeiro dia de seu terceiro mandato como presidente, Lula aprovou uma medida
provisória que mudou o nome da Funai, órgão responsável pelas políticas indigenistas do
país, de Fundação Nacional do Índio, para Fundação Nacional dos Povos Indígenas. A
mudança foi feita para retirar a palavra “índio”, que carrega consigo um passado de
preconceito e omissão da grande diversidade dos seus povos.
Seguindo o mesmo pensamento, Erisvan revelou, em primeira mão, que irá modificar o nome
do seu veículo tão importante para a comunicação popular indígena. Até o final deste mês, o
“Mídia Índia” terá uma nova denominação, mas seguirá cumprindo o seu papel de informar
aqueles que sempre estiveram distantes dos olhares da grande mídia. “Até semana que vem, a
gente vai ter essa nova cara. Vamos ter novos colaboradores e novos quadros”, afirmou
Erisvan.


Os indígenas no poder das decisões


O estudante de Ciências Sociais da Universidade de Brasília (UnB), Fêtxawewe Tapuya
Guajajara, de 23 anos, ressalta que a criação do Ministério dos Povos Indígenas no Brasil é
um marco histórico a nível regional e latino-americano. “É de grande importância esse
Ministério, pois coloca os indígenas de fato à frente das pautas, e não apenas ser um terceiro.
Mas de fato dar a voz, dar a caneta e dar o poder das decisões”, afirma.
Fêtxa, como é conhecido entre os seus colegas, é uma liderança indígena jovem do Santuário
dos Pajés, no bairro brasiliense do Setor Noroeste, faz parte dos povos Guajajara e Fulni-ô, e
também atua como presidente da Associação dos Acadêmicos Indígenas da Universidade de
Brasília (AAIUnB). Ele é um dos que concordam que, a nova fase da Funai, que será
presidida por Joênia Wapichana e também a SESAI, que têm Weibe Tapeba como novo
secretário, é um pontapé inicial para a busca de melhores condições de vida dos povos
originários.


“Muitos indígenas, principalmente os anciões, esperavam um dia sonhar com isso. A gente
está conseguindo ver e colher o fruto de toda uma luta e histórico de silenciamento. Não quer
dizer que ficou fácil, vai ter muita luta pela frente, […] Espero que consiga de fato atender os
povos indígenas na sua totalidade ou maioria até por questão de respeito e reparação
histórica”, destaca.


O estudante está confiante com que o atual governo execute um bom trabalho voltado para as
causas indígenas. Ele conta que as várias gestões anteriores que estiveram à frente do Brasil
nunca foram tão boas com os povos originários, porém, o último governo de Jair Bolsonaro
propiciou um grande recuo nas questões de políticas públicas e ambientais para seu povo.

“Em relação a diversos fatores, a demarcação de terras indígenas, saúde, educação e sobre os
assuntos que abrangem os povos indígenas. Teve um grande retrocesso em cuidar mesmo, o
garimpo, invasão de terra, queimadas e etc. Ele deu uma carta branca a todas as mazelas,
nunca parou, nunca disse que estava errado. Sempre apoio de certa forma”, alega o indígena.


O estudante é sobrinho da primeira ministra indígena da história do Brasil. Quando o nome
de Sônia Guajajara foi especulado para o ministério, o universitário tinha absoluta certeza de
que sua tia seria indicada. “O que ela fez durante a pandemia e nos últimos anos foi surreal,
não é à toa que ela entrou na Times, viajou pra fora e teve todo esse reconhecimento, […] É
uma pessoa que representa muito por ser uma mulher indígena, mãe e guerreira”, afirma.

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